24.2.09

Aquilo

Aquilo que não crio, não se volta contra mim
Toda sombra é um abrigo
Aqueles a quem repudio, vociferam contra mim
Todo refúgio é falso

Aquilo que é criado, não deixa de existir
Tudo é som sem eco
Aqueles que fogem sempre, lutarão outra vez
Todo fracasso é transitório

Aquilo que se perde, torna-se o começo
Todo início é somente parte
Aqueles que recusam, aceitam um dia
Todo momento é apenas um

Aquilo que não vejo, não pode me assombrar
Toda visão é alucinógena
Aqueles que deliram, despertam cansados
Todo transe é passageiro

Aquilo que é destruído, não pode terminar
Tudo é transformar
Aqueles que conspiram, se cansam
Todo poder é ilusório

Aquilo que permanece confinado, perece
Toda verdade não resiste ao tempo
Aqueles que profetizam, corroem
Todo controle é poder

Aquilo que não ouço, não pode construir
Toda ressonância é um espelho
Aqueles a quem odeio, revoltam-se contra mim
Toda palavra é simbólica

Aquilo que é consumido, se perde
Toda fome é fogo queimando
Aqueles que se incineram, descansam
Todo sacrifício é entrega

Aquilo que está perdido, encontra
Toda busca enfraquece
Aqueles que se erguem, obedecem
Toda submissão é cega

19.2.09

Soar

O ar parece fugir do peito
A exposição de quadros fugindo
E os olhos não acompanham
O que as cores não seguem
Tudo é gigantesco ali
O simples e o bruto
Soam como mais

Mentes terminando livres
Balões de gás saturando a sala
E acelerando, sentimos
O que não pode ser tocado
Montes de plástico dormente
O sutil e o sublime
Soam como menos

Muros quebrando em pedaços
Bicicletas abandonadas no pátio
E os pés não param
De pedalar idéias rápidas
Pilhas de ferrugem corrosiva
O puro e o tolo
Soam como maior

Vidros estilhaçando no alto
A abertura da lente mostrando
E desejando, alcançamos
Tudo o que pudermos agarrar
Bolsas de alças curtas
O frágil e o forte
Soam como o menor

A dor parece sumir no meio
O galopar de esculturas subindo
E a mão não alcança
Os dedos esticam-se em vão
Nada envelhece ali
O belo e o grotesco
Soam como o mesmo

Portas se fechando, ranger
O cheiro do ácido nauseando todos
E parando, perecemos
Nada dura para sempre no tempo
Vales de carbono distantes
O perfeito e o impecável
Soam diferentes

Alamedas desmoronando, e o aço
Antigos motores descansam no espaço
A boca se abre, babando
Deixando nebulosa escorrer
O lixo e o novo
Soam como pouco

E quando muito for o caos, realizado
Haverão corvos procurando por mim
Estarei longe, acostumado
A dizer mais não do que sim

Sem Sentido

No fundo de uma garrafa, um Velho Oito
Respostas para calafrios e solidão
O perfume asqueroso do alcatrão
Beijando a boca de um amante tolo

Cinza é a cor da melhor fumaça
Ás, dama e rei de ouros
Só os perdedores sabem disso
Não há na sorte amor verdadeiro
Só putas gordas com dentes podres

O sentido da vida é drenar aos poucos
Tudo aquilo que se pode perder
Sangue, amor, suor e dinheiro
Perdem-se aos poucos por se viver

Na esquina do banco com a rua dos olhos
Toda paixão que um homem pode ter
Se um engravatado sorri ao passar
Navalhas e línguas cortam como o preço

Tristeza é se trancafiar em caixas de sapato
Que custam caro, que cobram caro
Sem nunca ver a luz do dia
Felicidade é comer com os ratos
Que custam pouco, que cobram pouco

O sentido da morte é sugar aos poucos
Tudo aquilo que se pode querer
Corpos, unhas, dentes e um pedaço
Daquele evento sem lógica que chamam viver

Rei Sol

Na gravidade nula um corpo paira
Flutuante no tecido do vazio
Fluída entidade viva, adormecida
Sonhos atravessando o espaço

Semideus em carne de luz
Hiberna por entre estrelas luminosas
Supernova incandescente sorri
Cria-se a matéria a partir do nada

Por entre os fios da imensidão fria
Calmamente desliza um ser
Inconsciente de sua própria beleza
Buracos negros se fecham

Como se o silêncio pudesse explodir
E no Universo suas vibrações ecoar
Fez-se o Sol, supremo e celeste
Rei único de uma corte em movimento

Queríamos todos poder divagar
No infinito manto do vácuo
E perceber com espanto a majestade
De um único deus

Poesia Masculina

A poesia masculina é, das formas da poesia,
sem dúvida a mais cretina
Louvam-se flores, raios de sol, borboletas
Quando tudo sobre o que se quer falar é da vagina

O poeta celibatário, esse triste animal solitário
É de todos o que melhor entende a questão
Sabendo que seu simbolismo é imaginário
Inventa tudo o que não pode tocar com as mãos

Segue o Homo poeticus, inventando
Fala de uvas, de rosas, de um jardim inteiro
Queria era falar do que pensa, se masturbando
Mas teme que os outros o chamem de "poeteiro"

O poema do homem assume uma forma fálica
Travestida em palavras, sons e signos coloridos
Frases preenchidas pela devassidão estásica
Disfarçando os desejos do poeta, reprimidos

O pulso da poesia masculina, seu coração
É gerado em pensamentos sujos e febris
Pois no murmúrio do poeta à Musa, na oração
Ela é a fêmea que ele sempre quis

Soneto másculo começa na bolsa escrotal
Espalha-se pela próstata, vai até à glande
Manifesta-se eloquente e firme no genital
Até perceber o corpo peniano ficando grande

Mas a tudo isso dão-se outros nomes, outras categorias
Ilusões artísticas emoldurando a verdade
Como se fosse possível cobrir a testosterona com alegorias
Distorções práticas abandonando a vontade

Lobo Negro

Desgarrado, expulso, o lobo negro
Uiva só, à Lua cheia
Sente ainda o odor da matilha
Irmãos e irmãs de uma vida inteira

Solitário, moribundo, o lobo negro
Acorrentado à própria solidão
Desejando nunca ter tido a vida
Que de saudade o atira à escuridão

Sedento, ofegante, o lobo negro
Respira rápido o ar gelado
Sonha ainda com o retorno
Ao bando outrora amado

Ameaçado, com medo, o lobo negro
Teme pela própria sorte
Enxergando na névoa seu destino
O bosque lhe condenando à morte

Cansado, exausto, o lobo negro
Preso em memórias distantes
Lamenta ainda, tão perto do fim
Não poder voltar ao que era antes

Selvagem, feroz, o lobo negro
Despede-se do aqui e agora
Vislumbrando de longe a essência
O nascer denovo, a nova aurora

Espetáculo

Observe o insano, rasgando a própria imagem no espelho
Vê como a verdade soa, vinda dele?
Debatendo-se como bicho engaiolado
Pensando que seria melhor não pensar
Olhos, razão, boca úmida
E visões contorcendo-se no ar
Visões por detrás de vapor do asfalto

Veja agora o imundo, vomitando sobre oferendas
Vê como desrespeita os deuses, o maldito?
Tropeçando sobre os próprios mantos
(Feitos de mentiras)
Tentando chegar sem se perder
Deuses, sentidos, fedor da rua
E canções perdendo-se no cantar
Canções por entre trilhas no mato

Vislumbre então o ganancioso, engolindo diamantes
Vê como se aflige em perder, o sovina?
Se perturbando em salvar uns grandes
(Que nunca bastariam)
Calculando tempo e cifra sem notar
Pólvora, calor, alguma sorte
E tiros punindo o tolo, devagar
Tiros por entre ilusões e o fato

Contemple ali a vadia, cuspindo promessas vazias
Vê como o falso ecoa nela, a vagabunda?
Esgueirando-se como cadela no cio
(Cheirando e lambendo)
Prometendo amar "sem se envolver"
Gemidos, perfumes, brilho da Lua
E gritos atravessando o luar
Gritos em meio ao puteiro barato

Não que melhores sejam os outros, mas aos poucos
Todo o espetáculo tolo se torna abstrato
Mas aqui ainda cabe desenrolar
Aquilo que chamamos loucos, bem poucos
São do mundo senão um retrato
Recortes de um álbum vulgar

Somos todos únicos na orquestra infinita
Notas perfeitas, harmonia, batidas
Insanidade, órfã da Loucura, perdida num temporal
Imundície, irmão de Ócio, habitante do Antigo Local
Ganância, pai de Cobiça, prima de Acidente Fatal
Luxúria, escrava dos ventos e de Vendaval

Somos todos amantes na sonata sofrida
Estamos todos na mesma orgia
De tons, delírios e luzes, chamada vida

Fecham-se as cortinas do real
Tudo volta ao normal
E o despertar se dá lentamente
Trancam-se as portas do real
E adormecer se dá totalmente
Quando mais nada parece existir
O espetáculo então, brevemente
Torna-se um pequeno elixir
Bebida mística da mente

Atrás da Casa

No quintal de trás da casa, folhas marrons no chão
Tarde que se finda, céu cinza, grafite e triste
Com a brisa que toma conta, um aviso
Espíritos rondam o lugar

Pela janela de trás da casa, almas negras invadem
Noite que se inicia, céu escuro, azul e triste
Com os demônios que se apoderam, um anúncio
Oráculos falam sem pensar

Nas árvores atrás da casa, seres visitantes chegam
Ritual que começa, velas acesas, fogo e melancolia
Com os sacrifícios que se seguem, um pacto
Inimigos ainda vão sangrar

No ferro-velho atrás da casa, tempestade carregada prenuncia
Tempo que termina, velas apagadas, choro e calmaria
Com a chuva que chega, uma promessa
Dias melhores custam a chegar

Na vida atrás da casa, folhas, almas, seres e tempestade
Nada de fato termina, escolhas, erros e acertos
Com os sentimentos que transbordam, uma despedida
Morte é ilusão, apenas um lugar