21.3.10

O Aviso

Ao poeta, um aviso, com escárnio
O marasmo do atraso que relega a mensagem ao futuro:
não te metas em respostas não perguntadas,
não pergunte porquê te aturo
Não te seguem os loucos que descendo das montanhas,
balbuciariam tuas mesmas bobagens
Te precisam sim, uns poucos,
que sem tua loucura chamariam a vida de tortura pura,
crua sabotagem.

Preâmbulo dos Pixels

Pelas bandas dos pixels
Tudo feito de plástico
Comportamento e alma
Pele e expressão
Valores mórbidos e vida
Falsificada

Nas palavras entre estranhos
Consolo que nunca basta
Uma vontade que só aumenta
A ânsia pelo toque
Pelo som da voz
Digitalizada

São ideais os avatares
Personas que queriam ser
Máscaras de medo e rejeição
Triste adoração de imagens
Refletidas num espelho
Artificial

E como que castigo à solidão
Os amantes ainda se cruzam
Encruzilhadas de informação
Só para que se queiram ainda mais
Lamentando a distância
Inexistente

Difícil é querer sem ver
Desejo que antecede vontade
Dedos dançando sobre teclas
Querendo de certo dar sentido
Solapando uma relação
Vicariante

Mundo de mentiras na ponte de uma tela
Bela, magnífica radiação de cobre
Ele não sabe dela, ela tampouco o vê
E vão-se chegando cada vez mais perto
Tornando-se aos poucos um só coração
Solícito

6.11.09

Sussurro ao Vento

Quebre o feitiço
Desfaça-se da memória
Tão rara, tão pouca
O nu e real agora
Como se o fundo
De um precipício

Ouça o grito
Incremento
Senil e azul
Lua de véu azul-escuro
Prostrado ao canto
De um pássaro bruto
Rapina cruel

Cavalgue o pranto
Solene sofrimento vil
Algemas da estátua
Silêncio do som
Velado entre velas
Naves velozes
Sem medo

Quebre a promessa
Livre-se do que foi
Tão raro, tão pouco
Rápido voar sem asas
Debaixo da mesa
E sem sapatos

Arranque a mágoa
De si mesmo o manto
Eu que não basta
Abandonado à sorte
De quem finda só
Sobre a pilha de ossos
Nu

Atormente o juízo
Pensamento
Violeta e pueril
Sol de luz vermelha
Clamando do céu
De um deserto mudo

E o pó, surdo, sereno
Cantando lembranças
Espera pela chuva
Que escorre lacrimosa
Quimera que espera
Por um ar mais grato

Úmido chão
Suspirando canção
Abrindo-se para a água

Que cai

28.6.09

Visões

No horizonte deformado pelo gás
Pendurado por cabos de aço
Blocos de concreto
Que outrora foram almas

Lá para longe, na distância
Caminhando sobre cinzas e pó
Jarros de barro
Que um dia foram vidas

No fundo do abismo sem rosto
Flutuando sobre a névoa
Estilhaços de vidro
Que perderam-se no destino

Lá onde a fronteira se cruza
Cavalgando chão vermelho
Rochas inertes
Que outrora foram calmas

No início da insanidade pura
Presos por fios de aço
Pirâmides de cristal
Que um dia foram mentes

No todo da planície deserta
Deslizando com o vento
Pedaços de pétalas
Que perderam-se no caminho

22.5.09

Números

Três palavras e um sorriso
Dois olhares e uma interrogação
Forma-se o dilema
Não saber se fugir ou enfrentar
Os olhos

Uma frase e um trejeito
Quatro notas de uma música
Declara-se a rendição
Querer dizer e ter que calar
A verdade

Duas lembranças e aquela voz
Cinco motivos para desejar
Lança-se o coração
Bater tão forte e não revelar
A vontade

Seis cores e sete desenhos
Dez pinturas nos dedos das mãos
Oculta-se o segredo
Sofrer em silêncio e resignar
À solidão

Nove tons e três tolices
Quantro nuances a vislumbrar
Permite-se o medo
Temer perder e abandonar
O tudo

Doze lágrimas e nenhum sentido
Oito pequenas verdades
Desperta-se a razão
Não ferir ou magoar
A única

Neblina da Estática

A resina da virose que se espalha
Cheira a medo bem velho
Amadeirado por profecias
Vozes vibrando há muito

Corrompe-se aos 5, domina-se aos 11
Máquina regurgitando quase fatos
Como parasitas infectos
Como adrenalina ignorante

Injetam-se por pixels o ethos
Em mentes despertas demais
Aos poucos cegam-se a todos
O que se vê é o que se quer

Em pânico, decadentes se rebelam
O coletivo de beatos sem santos
Repugnando razão em troca de poesia
[barata]
A escuridão que empesteia a alma

O paraíso do lixo se alastrando
Comendo idéias como reais
Contemplando no vício um canto
Uma canção de banalidades a mais

Educam-se os filhos do mundo
Pelo tubo radioativo de imagens
Nêutrons disparando às almas
Mensagens deturpadas e frias

O que era amor agora é produto
Nem mais a alcova se respeita
Nas páginas do tablóide o excesso
Respingando quentes o íntimo
Como leve pornografia

E no fundo do sofá d'outro lado
Vegetando como coisa que morre
Presa apenas por algo brilhante
Jaz o que sobrou de uma pessoa
Cadáver examina o abstrato

Na fome dos que pagam por tudo
Interrompe-se um jantar por minutos
Para depois se voltar ao de fato
Crianças soluçando disformes
Já são cotidiano e tédio

À pena que conduz a voz
Não se vê destino certo
Explosões e o inferno para pés
[descalços]
Somente os sorrisos amarelos
Entre câmeras e aperto de mãos

E os doentes já são os mesmos
Que agora senis acenam de longe
Alheios a tudo que fizeram
Fantasias de mundos perfeitos
Que a tudo sacrificou para si